Retrato
(Romance das Mulheres dos Guerreiros)
De certo guardava luto,
porque sóbrio era o vestido.
Na linha austera dos lábios,
nem sinal do riso ausente
se podia adivinhar.
Havia traços do Oriente
e uma plácida tristeza
de névoa crepuscular.
Presos na coifa, os cabelos
sugeriam a nobreza
dessas damas de além-mar.
Eram tristes as mulheres,
no tempo desse retrato...
Mulheres de homens campeiros
nos horizontes abertos
para as grandes recorridas,
duras domas e tropeadas
como não se fazem mais.
Uma vez ganhando a terra,
os homens faziam guerra
pra garantirem a paz.
Homens chegados da Ibéria
ao chão dadivoso e rico,
onde o seu sangue beduíno
verteu-se em seiva de angico
e no pampa enraizou.
Quando os homens reuniam
laços, cavalos e lanças
e se alçavam ao campo
com indômita esperança,
essas místicas mulheres
sabiam do seu mister;
e nas casas das estâncias,
nos ranchos desamparados,
ficavam só as crianças
e os velhos - aos seus cuidados.
Elas cuidavam de tudo,
lavouras e plantação,
fiando a lã para os ponchos,
moendo o trigo para o pão;
criando gerações novas
de caudilhos e campeiros,
a rigor de sacrifícios,
de minuanos e mormaços,
porque esta terra pedia
as primícias do seu sangue
e as bênçãos do seu suor.
Eram fortes as mulheres
no retrato desse tempo....
Essas mulheres trigueiras
dos ranchos de palha e barro
faziam suas trincheiras
contra os bandidos andantes
e colunas estrangeiras;
e, das filhas que salvavam,
a seu exemplo formavam
novas mães e companheiras.
Aos fluidos da primavera,
quando o verde renascia,
e se tramavam os ninhos,
e floriam mal-me-queres,
e as fêmeas eram fecundas,
- coitadas dessas mulheres!
Na voz dos ventos pressagos
vinham cantigas ausentes,
apresilhando os sentidos
como silícios ardentes,
como pesados grilhões...
e a música igual dos grilos
espicaçava o silêncio,
como esporas anunciando
a volta dos seus varões.
Eles chegavam cansados,
quando não vinham feridos
(assim mesmo quando vinham),
para mudar de cavalo,
para fazer mais um filho,
porque a terra merecia
esse holocausto de sangue
em louvor a Liberdade,
para a nova sociedade
viver num mundo melhor.
E as mulheres prestimosas,
pacientes sacerdotisas,
bem guardavam na memória
de milenar ascendência
medicinas misteriosas
contra as dores e feridas;
e, em vigílias comovidas,
ao brando abrigo das quinchas,
dos seus dedos delicados
floresciam os bordados
das bandeiras e das vinchas.
Era servis as mulheres
no retrato desse tempo...
E como eram solidárias
na lida dos ajutórios,
nos partos e nos velórios
e nos transes e responsos
dos terços tristes, chorados
por alma dos que morriam!
Rijas mulheres do Pampa!
Enlutadas heroínas
que se chamaram de “chinas”
por esse esquivo recato
e pelos olhos rasgados,
deixados de herança índia
nos sangues miscigenados!
Decerto delas herdamos
essa força primitiva,
essa fé que nos anima,
que mantém a raça viva,
perene através da idade.
Da mulher quase cativa
nasceu essa gente altiva
que ama tanto a Liberdade!
Eram mulheres de fato
essas Senhoras do Pampa
no tempo desse retrato!
Autor: Delci José Oliveira
De certo guardava luto,
porque sóbrio era o vestido.
Na linha austera dos lábios,
nem sinal do riso ausente
se podia adivinhar.
Havia traços do Oriente
e uma plácida tristeza
de névoa crepuscular.
Presos na coifa, os cabelos
sugeriam a nobreza
dessas damas de além-mar.
Eram tristes as mulheres,
no tempo desse retrato...
Mulheres de homens campeiros
nos horizontes abertos
para as grandes recorridas,
duras domas e tropeadas
como não se fazem mais.
Uma vez ganhando a terra,
os homens faziam guerra
pra garantirem a paz.
Homens chegados da Ibéria
ao chão dadivoso e rico,
onde o seu sangue beduíno
verteu-se em seiva de angico
e no pampa enraizou.
Quando os homens reuniam
laços, cavalos e lanças
e se alçavam ao campo
com indômita esperança,
essas místicas mulheres
sabiam do seu mister;
e nas casas das estâncias,
nos ranchos desamparados,
ficavam só as crianças
e os velhos - aos seus cuidados.
Elas cuidavam de tudo,
lavouras e plantação,
fiando a lã para os ponchos,
moendo o trigo para o pão;
criando gerações novas
de caudilhos e campeiros,
a rigor de sacrifícios,
de minuanos e mormaços,
porque esta terra pedia
as primícias do seu sangue
e as bênçãos do seu suor.
Eram fortes as mulheres
no retrato desse tempo....
Essas mulheres trigueiras
dos ranchos de palha e barro
faziam suas trincheiras
contra os bandidos andantes
e colunas estrangeiras;
e, das filhas que salvavam,
a seu exemplo formavam
novas mães e companheiras.
Aos fluidos da primavera,
quando o verde renascia,
e se tramavam os ninhos,
e floriam mal-me-queres,
e as fêmeas eram fecundas,
- coitadas dessas mulheres!
Na voz dos ventos pressagos
vinham cantigas ausentes,
apresilhando os sentidos
como silícios ardentes,
como pesados grilhões...
e a música igual dos grilos
espicaçava o silêncio,
como esporas anunciando
a volta dos seus varões.
Eles chegavam cansados,
quando não vinham feridos
(assim mesmo quando vinham),
para mudar de cavalo,
para fazer mais um filho,
porque a terra merecia
esse holocausto de sangue
em louvor a Liberdade,
para a nova sociedade
viver num mundo melhor.
E as mulheres prestimosas,
pacientes sacerdotisas,
bem guardavam na memória
de milenar ascendência
medicinas misteriosas
contra as dores e feridas;
e, em vigílias comovidas,
ao brando abrigo das quinchas,
dos seus dedos delicados
floresciam os bordados
das bandeiras e das vinchas.
Era servis as mulheres
no retrato desse tempo...
E como eram solidárias
na lida dos ajutórios,
nos partos e nos velórios
e nos transes e responsos
dos terços tristes, chorados
por alma dos que morriam!
Rijas mulheres do Pampa!
Enlutadas heroínas
que se chamaram de “chinas”
por esse esquivo recato
e pelos olhos rasgados,
deixados de herança índia
nos sangues miscigenados!
Decerto delas herdamos
essa força primitiva,
essa fé que nos anima,
que mantém a raça viva,
perene através da idade.
Da mulher quase cativa
nasceu essa gente altiva
que ama tanto a Liberdade!
Eram mulheres de fato
essas Senhoras do Pampa
no tempo desse retrato!
Autor: Delci José Oliveira
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