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terça-feira, 31 de agosto de 2010

Carta testamento de Getúlio Vargas




Mais uma vez, a forças e os interesses contra o povo coordenaram-se e novamente se desencadeiam sobre mim. Não me acusam, insultam; não me combatem, caluniam, e não me dão o direito de defesa. Precisam sufocar a minha voz e impedir a minha ação, para que eu não continue a defender, como sempre defendi, o povo e principalmente os humildes.

Sigo o destino que me é imposto. Depois de decênios de domínio e espoliação dos grupos econômicos e financeiros internacionais, fiz-me chefe de uma revolução e venci. Iniciei o trabalho de libertação e instaurei o regime de liberdade social. Tive de renunciar. Voltei ao governo nos braços do povo. A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios. Quis criar liberdade nacional na potencialização das nossas riquezas através da Petrobrás e, mal começa esta a funcionar, a onda de agitação se avoluma. A Eletrobrás foi obstaculada até o desespero. Não querem que o trabalhador seja livre.

Não querem que o povo seja independente. Assumi o Governo dentro da espiral inflacionária que destruía os valores do trabalho. Os lucros das empresas estrangeiras alcançavam até 500% ao ano. Nas declarações de valores do que importávamos existiam fraudes constatadas de mais de 100 milhões de dólares por ano. Veio a crise do café, valorizou-se o nosso principal produto. Tentamos defender seu preço e a resposta foi uma violenta pressão sobre a nossa economia, a ponto de sermos obrigados a ceder.

Tenho lutado mês a mês, dia a dia, hora a hora, resistindo a uma pressão constante, incessante, tudo suportando em silêncio, tudo esquecendo, renunciando a mim mesmo, para defender o povo, que agora se queda desamparado. Nada mais vos posso dar, a não ser meu sangue. Se as aves de rapina querem o sangue de alguém, querem continuar sugando o povo brasileiro, eu ofereço em holocausto a minha vida.

Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado. Quando a fome bater à vossa porta, sentireis em vosso peito a energia para a luta por vós e vossos filhos. Quando vos vilipendiarem, sentireis no pensamento a força para a reação. Meu sacrifício vos manterá unidos e meu nome será a vossa bandeira de luta. Cada gota de meu sangue será uma chama imortal na vossa consciência e manterá a vibração sagrada para a resistência. Ao ódio respondo com o perdão.

E aos que pensam que me derrotaram respondo com a minha vitória. Era escravo do povo e hoje me liberto para a vida eterna. Mas esse povo de quem fui escravo não mais será escravo de ninguém. Meu sacrifício ficará para sempre em sua alma e meu sangue será o preço do seu resgate. Lutei contra a espoliação do Brasil. Lutei contra a espoliação do povo. Tenho lutado de peito aberto. O ódio, as infâmias, a calúnia não abateram meu ânimo. Eu vos dei a minha vida. Agora vos ofereço a minha morte. Nada receio. Serenamente dou o primeiro passo no caminho da eternidade e saio da vida para entrar na História.

(Rio de Janeiro, 23/08/54 - Getúlio Vargas)

sábado, 17 de julho de 2010

Maragatos e Chimangos



Maragatos e Chimangos foram a campo enfrentar-se pela primeira vez em 11 de fevereiro de 1893, no combate do Salsinho, nos arredores de Bagé. Mas o ódio era mútuo e ancestral, fruto do confronto entre duas tendências políticas que há tempos rachava o Rio Grande. Já houve historiador que tenha se arriscado a dizer que o Estado dividia-se entre “uma Baviera liberal e uma Prússia autoritária”. Embora nem sempre seja fácil saber quem era o que naquele conflito de caudilhos, a luta entre maragatos e chimangos foi travada entre os partidários de Gaspar Silveira Martins e os seguidores de Júlio de Castilhos – e nada mais era do que um reflexo do choque entre o antigo regime monarquista e a nova ordem republicana.

Chamavam-se “Maragatos” os federalistas de Silveira Martins, partidários de um regime parlamentarista à inglesa. O apelido fora dado pelos republicanos castilhistas para insinuar que os rebeldes eram mercenários estrangeiros, pois o termo “maragato” designava imigrantes espanhóis radicados no Uruguai, oriundos da província da Maragateria. Como os maragatos julgavam-se descendentes dos berberes – porque, “como eles amavam com deleite o cavalo, a tenda e a lança” - , o pejorativo foi adotado como distintivo de honra.

Não se pode dizer que os republicanos de Castilhos – favoráveis ao regime presidencialista de cunho positivista – tenham se identificado com a alcunha que lhes imputaram os maragatos: “chimango” é uma ave comedora de carniça. A bem da verdade, durante os terríveis confrontos da Revolução Federalista de 1893 – a maior guerra civil da história do Brasil - , os chimangos eram mais conhecidos como “pica-paus”. Embora ninguém saiba ao certo a origem do apelido, ele com certeza também foi tomado como ofensa pelos castilhistas.

Evidentemente não foi a guerra de nomes, nem a de cores – os maragatos usavam lenço colorado; os chimangos ou pica-paus, divisas brancas – que alimentou o ódio mortal entre as duas facções. Mas o fato é que muito se matou e muito se morreu ao longo de dois anos pelos quais o conflito ensangüentou o pampa. Boa parte das dez mil vítimas foi morta por degola: um golpe de faca na carótida; forma rápida, silenciosa e barata de matar. Se o s chimangos degolaram antes e mais do que os maragatos – dando-lhes, além do lenço, “uma gravata colorada”, os maragatos logo decidiram que não valia a pena ”gastar pólvora com chimango”. (...)

Texto de Eduardo Bueno
Fonte: Correio do Povo - 18/09/2003